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#22 Rubrica ‘Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página’ Nascemos e jamais morreremos: vida de Chiara Corbella Petrillo.

  • Federação Pela Vida
  • há 14 minutos
  • 8 min de leitura

*Marca de água de livros que deixam marcas profundas.

Parceria: Federação Portuguesa pela Vida e Comissão Diocesana da Cultura

O autor e a obra e as Marcas de água

(o que fica depois de se deixar o livro: a verdadeira autora deste livro é Chiara Petrillo. Simone e Cristiana, os autores que encimam a capa, são os amigos de todas as horas, diante de quem se desenrolou a história que decidiram verter para as letras repousadas sobre as folhas…)

 

Simone Troisi e Cristiana Paccini, Nascemos e jamais morreremos: vida de Chiara Corbella Petrillo, Braga, Editorial A.O., 20236.

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Começo esta nota com uma confissão. Demorei a decidir-me a fazer a recensão deste livro. Não porque nada tenha a dizer; antes, pelo grandeza do que nele se conta, pela dimensão do que há a dizer. Temo pela ineficácia das minhas palavras.

Por isso, começo por onde deveria terminar: leia, caríssimo leitor, este livro e deixe-se tomar pelo que nele se conta. Melhor, deixe-se habitar pela vida que nele fulge.

E prepare-se! Este livro incomoda, inquieta, avassala-nos.

Não pela especial verve literária, mas pela força das decisões de Chiara Petrillo, a biografada. Sim, este livro é uma biografia.

Ou, melhor. Este livro é vida! Não apenas ‘palavras sobre uma vida’, é, antes, vida que se socorre de palavras para poder continuar a contar-se.

A história de Chiara Petrillo é impressionante, como impressionam as vidas dos que, nas decisões quotidianas, se revelam heróis.

Verdadeiramente, Chiara levou até às últimas consequências a consciência de que ‘ser mãe’, ‘ser pai’ é, não só dar vida, mas, principalmente, quando tal se exige, ‘dar a vida’.

E isso desconcerta.

Se desconcerta!..

Apesar de o mundo da ‘defesa da vida’ ser a minha vida desde há muito, terei de revisitar a história de Gianna Molla para reencontrar uma tão densa narrativa de vida como esta que encontrei neste livro que, em boa hora, uma amiga do ‘mundo da defesa da vida’ partilhou comigo. Confesso que, em muitos momentos, me comovi, parei, limpei lágrimas para poder prosseguir com a leitura.

Chiara Petrillo e o seu marido, Enrico, são luzeiros de esperança, confiança e fé na vida que não se acaba.

Casaram em 2008, tendo-lhes nascido, pouco mais de um ano depois, a sua primeira filha: Maria Grazia Letizia. Os nomes são significativos. ‘Maria da Graça Alegria’!

O precoce diagnóstico de anencefalia logo foi fonte de pressões para que abortasse.

Mas a vida de um filho não é uma posse: é um convite ao amor e a ser amado. Por isso, a gravidez desenvolveu-se e o parto, contrariamente ao previsto, foi natural e Maria Grazia Letizia nasceu para, poucas horas depois, e já batizada, morrer nos braços dos seus amados pais.

Loucura?

Muitos di-lo-ão, uns em surdina, outros explicitamente.

Mas, se a vida é dom, como poderia ser de outro modo senão permitir-se que nasça e se deixe a natureza humana decidir? Seremos nós, pais, os senhores dos nossos filhos?

A situação vem a repetir-se, já não por anencefalia, mas por malformações singulares, ainda não designadas pela medicina.

Nova gravidez com sobressalto, mas levada até ao final. Nasce Davide Giovanni, ‘David João’.

‘David’, como o rei israelita que venceu Golias.

O Golias dos nossos medos e resistências.

Nasceu, foi acolhido e batizado. Os funerais destes filhos foram lugares de fé, esperança, confiança e alegria. A alegria de quem reconhece que a vida que se recebe não se possui, pois, o ‘contrário do amor não é o ódio, mas a posse’, como tantas vezes repete Chiara.

Terceira gravidez.

Desta feita, Francesco, o filho que se aguarda, não apresenta nenhuma malformação.

O pai, Enrico, sempre envolvendo o amor com o humor, perguntava o que faltaria a este terceiro filho.

Desta vez, a surpresa era outra.

Muito cedo, na gravidez, Chiara descobre que tem um tumor maligno a que ela chama ‘um dragão’.

Faz uma intervenção cirúrgica que não interfere com o desenvolvimento do seu filho. Propõem-lhe uma outra, mais invasiva, mas que pode colocar em risco a vida do filho.

Decide-se pela vida do seu filho e adia, o mais que pode, e só para depois do parto, essa segunda intervenção.

Francesco nasce… As intervenções sucedem-se, mas o que mais desconcerta é o amor e a confiança nunca perdida. Não a confiança numa cura, mas a certeza de o amor vencer. O amor que não possui, mas que acolhe a vida, com os seus fulgores e dores.

Com cerca de um ano de Francesco, Chiara morre, entre os seus inúmeros amigos, dando a todos confiança, segurança, esperança, conforto, quando a mais necessitada era, afinal, ela mesma. Os outros eram, sempre, em cada passo da sua história, o centro. Pois, como diz em carta que dedicou ao seu filho, para que a lesse quando maiorzinho, ‘’no pouco que percebi neste anos, apenas te posso dizer que o Amor é o centro da nossa vida, porque nascemos de um ato de amor, vivemos para amar e para ser amados, e morreremos para conhecer o amor verdadeiro de Deus.

O objetivo da nossa vida é amar e estar sempre prontos para aprender a amar os outros como só Deus te pode ensinar.

O amor consome-te, mas é tão bonito morrer consumidos, exatamente como uma vela que se apaga quando atinge o seu objetivo.

Não importa o que farás, mas o que quer que venhas a fazer só terá sentido se o fizeres em função da vida eterna.

Se estiveres realmente a amar, aperceber-te-ás disso pelo facto de que nada te pertence realmente, porque tudo é um dom.

Como diz S. Francisco: o contrário do amor é a posse!’

Não é por acaso que, tendo falecido em junho de 2012, com apenas 28 anos, Chiara Petrillo seja já invocada, pela Igreja Católica, desde 21 de setembro de 2018, como ‘serva de Deus’ e esteja em andamento o seu processo de beatificação.

Esta não é uma história de um culto do sacrifício, de um culto da dor mórbida. Pelo contrário, é a história da não desistência da vida e do amor por ela, apesar das dores e sacrifícios que amá-la possa comportar. Porque a verdadeira natureza do sacrifício está, precisamente, em ‘tornar sagrado’ o que, sem esse acolhimento amoroso, seria meramente ‘profano’ e sem sentido. Sacrifício diz, mesmo, ‘tornar sagrado’.

Chiara amou, acolheu a vida sem reservas. E isso desarma-nos. Este livro faz-nos deixar cair todas as armas defensivas com que recusamos receber o dom da vida, a vida que é um dom.

Neste livro, colocam-se, frente a frente, duas visões sobre a vida: a dos que a consideram uma posse e sobre ela tudo se admitem fazer por se entenderem seus donos; e a de quem se reconhece um grato recetor de um dom e tudo faz por merecer o dom recebido.

Fechado o livro, o silêncio toma conta de nós e pergunta-nos, sussurrando, ao ouvido: de que lado estás?

 

Na mesma página que o autor (citações)

 

‘Amar não é possuir. É querer o bem do outro’ (Luísa Viterbo, prefácio à edição portuguesa, p. 6)

 

‘Uma pessoa morre como viveu. Chiara morreu de uma maneira incrível, sorrindo diante da morte. Muito mais do que serena: feliz. Estar a seu lado foi ver o viver e o morrer de um filho de Deus’. (p. 17)

 

‘Nascemos e jamais morreremos. Essa frase está ligada à imagem de Chiara, mas Chiara nunca a pronunciou, ainda que seja perfeita para ela. Pronunciou-a Enrico. É uma frase que ouviu a um responsável da comunidade ‘Gesù Risorto’, doente terminal de cancro nos ossos. Enrico tinha cerca de 15 anos e ficou muito impressionado. Repetiu-a muitas vezes, e nós sabíamos que ele a queria escrever numa t-shirt, porque achava que era uma boa notícia para dar a todos.’ (p. 22)

 

‘Chiara passou da convicção de que tinha direito ao Enrico à compreensão de que o outro é um dom de Deus e, portanto, é necessário primeiro aceitar perdê-lo para depois o encontrar.’ (p. 32)

 

‘O que mais assusta Chiara é ela e Enrico estarem casados há poucos meses e não saber como poderá ele reagir à notícia de que a sua filha não está bem (era portadora de anencefalia) e morrerá logo após o nascimento. Tem medo de descobrir o que Enrico pode ter no coração, teme que possa deixar de a amar. Pensa: «Esta cruz, o meu marido vai pegar nela comigo ou terei de carrega-la sozinha? Ele vai entender-me ou…?»

[…] Quando Enrico fala, Chiara ouve as palavras que tanto tinha desejado ouvir: «Não te preocupes. É nossa filha: acompanhá-la-emos até onde pudermos». Também ele não pensa nem por um momento em rejeitar este dom. Para Chiara este não é só um momento inesquecível. É «o primeiro milagre».’ (pp. 42.44)

 

‘Para muitos médicos, o aborto é, neste caso, uma escolha evidente. Infelizmente, também o é para muitos dos que se dizem católicos. Poucos são os cristãos que apoiam Chiara e Enrico. O facto de Maria Grazia Letizia crescer sem cérebro faz com que muitos ponham em questão que a sua seja , de facto, vida; e alguns põem em questão se interromper uma gravidez destas é, na verdade, um aborto, como se a bebé nem sequer existisse. E este é, para Chiara e Enrico, o maior sofrimento: o peso do julgamento daqueles que os rodeiam, os conselhos daqueles que até àquele momento lhes eram próximos.’ (p. 45)

 

‘Tendo decidido levar a gravidez até ao fim, na verdade, Chiara e Enrico levaram para a frente uma ideia acerca da vida que muitos consideram incómoda. Mas é precisamente aquela defendida pela Igreja. A ideia de uma vida que vale por si mesma, prescindindo da inteligência, da capacidade de raciocínio e da beleza. Uma ideia de vida que rejeita todos os critérios do mundo que sugerem se uma pessoa deve sair para a rua ou ficar em casa, se deve levantar a mão para falar ou não, ou levantar-se da cama de manhã ou ficar a dormir.

É ainda uma ideia de vida segundo a qual o outro não vem para nos roubar nada, mas enriquece-nos com a sua presença.’ (p. 46)

 

‘Todas as mães geram filhos que não lhes pertencem. Ser pais significa exatamente isto. Mas para Chiara a consciência disto é maior. A sua missão e a de Enrico é a de acompanhar imediatamente esta menina ao encontro com Deus, e ela quer estar preparada o melhor possível para que isto aconteça, para que tudo se realize segundo o seu desígnio.’ (p. 52)

 

‘Chiara e Enrico estão verdadeiramente felizes. Tinham-se preparado para o pior, não para tanta beleza. «O momento em que a vimos foi um momento que nunca esquecerei: percebi que estávamos ligadas para toda a vida. Não pensava no facto de que estaria pouco tempo connosco. Foi uma meia hora inesquecível.

Se tivesse feito um aborto, não creio que poderia recordar o dia do aborto como um dia de festa, um dia em que me teria libertado de alguma coisa. Teria sido um momento que procuraria esquecer, um momento de grande sofrimento.’ (p. 55)

 

‘Aquilo que quero dizer às mães que perderam filhos é isto: nós fomos mães, recebemos este dom. Não importa o tempo: um mês, dois meses, poucas horas… o que conta é termos recebido este dom… e não é uma coisa que se possa esquecer.’ (p. 56)

 

‘[…] o contrário do amor não é o ódio, mas o possuir […]’ (p. 61)

 

‘Fazer um aborto é rejeitar um dom.’ (p. 65)

 

‘[…] o objetivo mais importante da vida é ser amados. O importante não é fazer coisas, mas nascer e deixar-se amar’. (p. 81)

 

‘«No pouco que percebi nestes anos, apenas te posso dizer que o Amor é o centro da nossa vida, porque nascemos de um ato de amor, vivemos para amar e para ser amados, e morremos para o conhecer o amor verdadeiro de Deus.

O objetivo da nossa vida é amar e estar sempre prontos para aprender a amar os outros como só Deus te pode ensinar.

O amor consome-te, mas é tão bonito morrer consumidos, exatamente como uma vela que se apaga quando atinge o seu objetivo.

Não importa o que farás, mas o que quer que venhas a fazer só terá sentido se o fizeres em função da vida eterna.

Se estiveres realmente a amar, aperceber-te-ás disso pelo facto de que nada te pertence realmente, porque tudo é dom.

Como diz São Francisco: o contrário do amor é a posse!»’ (p. 164 – da carta escrita por Chiara ao seu filhinho Francesco)

 

*(Título retirado de Daniel Faria, Dos líquidos, Porto, Edição Fundação Manuel Leão, 2000, p. 137)

 


 
 
 

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