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Federação Pela Vida

#2 Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página*

Uma rubrica da Federação Portuguesa pela Vida em parceria com a Comissão Diocesana da Cultura, por Luís Manuel Pereira da Silva**




O autor e a obra
Jean-François Braunstein, A religião woke, Lisboa, Guerra e Paz editores, 2023.

Ao ler-se um livro de Jean-François Braunstein não se espere ficar igual. Os seus livros são sempre marcados pela polémica e pela controvérsia. A pergunta que se impõe é, porém, a que concerne a tentar perceber os motivos que justificam esta natureza ‘ígnea’ ou ‘ígnica’ (como se fossem feitos de fogo…) dos seus livros. E encontro uma resposta: Braunstein, professor na Sorbonne e investigador no laboratório EXeCO (Experiência e Conhecimento), decidiu continuar a pensar e pôr a pensar quem o lê… E isso é perigoso, em tempos que querem acomodar-nos e formatar-nos.

Isso acontece com este livro. Quem o lê fica comprometido, porque acaba a pensar…

O que é um risco. É por isso que este é um livro candidato às novas fogueiras… Vejamos porquê.


Marcas de água (o que fica depois de se deixar o livro)

‘A religião woke’ tem muitos méritos, entre os quais merece destaque um, de imediato. Apesar de ser um livro de tese, pois o autor propõe-se enfrentar uma questão fundamental e dar-lhe a sua resposta, apesar disto, mesmo que concluamos pela não concordância com a tese fundamental, permanece a possibilidade da concordância com todo o caminho percorrido pelo autor.


Na verdade, Braunstein propõe-se responder à pergunta sobre os motivos que justificam a militância tão aguerrida dos defensores do ‘wokismo’. E formula uma resposta, sustentada na sua visão muito ‘francesa’ da religião: o ‘wokismo’ é uma religião, com todos os traços que o autor recolhe da sua visão das religiões. Estas são proselitistas e esquivam-se à lógica, sendo que se alicerçam na convicção de que, quanto mais absurda for uma ideia, mais digna será de assentimento, entende Braunstein.


Sendo eu um crente, não me reconheço nesta parte da tese, pois se é certo que, como ele cita, Tertuliano defendeu que ‘credo quia absurdum’, a verdade obriga-nos a reconhecer que nem tudo na religião é irracionalidade e que, entre as religiões, nem tudo é igual, sendo que teve mais força e prevalência do que a ideia tertulianista de que ‘credo quia absurdum’ a oposta ideia de que ‘credo ut intelligam’ ou ‘intelligo quia credo’, bastando constatar o lugar do lógos e da busca da verdade na experiência judaico-cristã, verificável, por exemplo, no modo como inicia o evangelho de S. João: ‘no princípio era o lógos’.


A este elemento de tese acrescenta, também Braunstein, parte da sua reflexão a discutir sobre a influência de pensadores franceses como Derrida ou Foucault na fundamentação do pensamento wokismo, decidindo-se pela recusa dessa ideia. Contesto essa conclusão, pois considero precisamente o contrário (como não ver na categoria de ‘diferença’ de Derrida a ideia wokista de aceitação de todas as diferenças sem qualquer juízo de valor? Ou como não ver na convicção de Foucault de quetoda a relação é assente nas lógicas de poder a conflitualidade omnipresente do wokismo?), mas não me alongarei na enunciação das divergências, pois considero mais interessante para o leitor sublinhar a utilidade da leitura deste livro.


Feita esta salvaguarda, e assegurada a minha demarcação desta parte da tese de Braunstein, incidamos, agora, a atenção nos outros elementos de tese e de conteúdo deste livro.


O livro ‘A religião woke’ é uma fina análise sobre a ‘onda’ vertiginosa que vem tomando conta da cultura ocidental que se caracteriza por censurar todos os que ousarem contrariar as ideias que se expressam em afirmações como as que Braunstein enuncia, logo no primeiro parágrafo da introdução: ‘«Os homens estão grávidos», «as mulheres têm pénis», «as mulheres trans são mulheres», «todos os brancos são racistas», «todos os negros são vítimas», «se afirmares que não és racista, isso significa que és», «a biologia é virilista», «a matemática é racista», «Churchill é racista», «Schoelcher é esclavagista» […]’ (p. 13)


Como sublinha o autor, a simples enunciação das afirmações deveria ser suficiente para nos apercebermos do seu absurdo, mas a vertigem atual obnubilou os espíritos, apagando a lógica, que é considerada racista (por exigir a correspondência aos limites que ela mesma impõe), e criando um clima de medo que silencia quem se lhe opõe.


O autor descreve muitas situações de cancelamento, enuncia a amplitude do ‘movimento’ que não se basta em reivindicar terreno próprio e autónomo, mas que quer educar toda a sociedade, a começar pelos mais pequenos, mas também descreve como deveríamos opor-nos, apresentando exemplos bem-sucedidos de iniciativas que permitiram ridicularizar o absurdo de toda esta onda tenebrosa.


O autor é claro na afirmação de que há um excesso que se baseia na legítima pretensão de superação do que é injusto, mas criando novas injustiças por reivindicar legitimidade para pretensões não legítimas (como a de pretender normalizar as disforias de tipo gnóstico que relativizam o corpo e cria dissociação entre a pessoa como um todo e o seu próprio corpo – como se este fosse um estranho).


Braunstein vinca que o ponto fulcral do ‘wokismo’ (cujo conceito detalha com pormenor, descrevendo a origem do termo (‘woke’ como ‘o acordado, o iluminado’) e a evolução do conceito – que começa por ter um sentido favorável, mas que hoje é uma designação com conotação negativa) é a teoria de género, cujo desenvolvimento é analisado com fundamentação e muita informação útil.


Reconhecendo esta centralidade da teoria de género (que dissociou sexo e género e transferiu o género para o âmbito do constructo mental, individualista e radicalmente solipsista), o autor analisa, ainda, como o wokismo se afirma como sendo ‘anti-racista’, promovendo, porém, novos racismos que alimentam o seu combate ‘anti-racista’. Elucidativo do facto de se tratar de um movimento autofágico está a afirmação de que se alguém é branco e homem e não se reconhece como racista, então, é porque é mesmo racista, numa circularidade de pensamento que não deixa margem para a legítima distância em relação ao conflito.


Anote-se, com efeito, que a leitura atenta deste livro nos leva ao reconhecimento de que estamos perante um vertiginoso movimento que se sustenta na ideia radical de que toda a relação humana se baseia na ‘luta de classes’, no conflito permanente, promovendo a litigiosidade e a dissensão gratuita. Uma ideia de sociedade que todos deveríamos interrogar-nos sobre se é o que pretendemos construir…


O repto de Braunstein está em que se recupere a genuína busca da verdade, partilhada e discutida, mas respeitadora e aberta, sublinhando, para isso, o mesmo autor que se deve esperar das universidades (onde este movimento, com origem nos países anglo-saxónicos e, em particular, nos Estados Unidos, está a implantar-se de modo quase intravável) que resistam, como reduto do conhecimento e da procura da verdade, e, por isso, lugar da autêntica liberdade.


Sim, ‘a religião woke’ é uma ode à liberdade, quando tantas novas fogueiras censórias se voltaram a acender, por efeito deste wokismo. Os tempos exigem ousadia e resistência para que não acabemos num tempo em que não restem senão cinzas…


Na mesma página que o autor (citações)

‘«Os homens estão grávidos», «as mulheres têm pénis», «as mulheres trans são mulheres», «todos os brancos são racistas», «todos os negros são vítimas», «se afirmares que não és racista, isso significa que és», «a biologia é virilista», «a matemática é racista», «Churchill é racista», «Schoelcher é esclavagista», etc. Este tipo de proclamações surpreende pela sua faceta absurda. Todavia, são elas que formam os enunciados de base do pensamento woke, aquele pensamento «iluminado» que tende a impor-se em todas as sociedades ocidentais. Assenta em teorias como a «teoria de género», a «teoria crítica da raça» ou a «teoria interseccional», que se tornaram verdades puras nas nossas universidades. Os wokes explicam que o género «se escolhe» e que tudo o que conta é a nossa consciência de sermos homem ou mulher ou qualquer outra coisa que seja. A raça volta a ser um determinante essencial das nossas existências em sociedade: os brancos serão, por definição, racistas, e os «racizados» jamais o poderão ser. Quanto à interseccionalidade, trata-se de uma «ferramenta» para potenciar todas as identidades vitimárias e apelar à luta contra o responsável por estas discriminações. Responsável esse que já está mais do que encontrado: é o homem branco ocidental heterossexual, por definição sexista, racista e colonialista, sendo o «perfeito bode expiatório».’ (Introdução, p. 13)


‘Os atividades woke, transformados em professores, são militantes entusiastas, cujo fito é formar a humanidade nova que é pregada pela religião woke: ensinam às crianças, desde a escola primária e sem o consentimento dos pais, que o género «se escolhe» e que nada tem que ver com o corpo. Ensinam aos alunos brancos que são necessariamente racistas e aos alunos «racizados» que, do mesmo modo, mecanicamente, são vítimas.’ (Introdução, p. 14)


‘Diante desta vaga de irracionalidade que arrasta tudo à sua passagem, ficamos tentados a nos limitarmos a «rir» ou «chorar», mas é conveniente, segundo o imperativo de Espinosa, esforçarmo-nos por «compreender» o que está a acontecer diante dos nossos olhos. Isto parece-me tanto mais urgentes porque estas teorias estão constantemente a ganhar terreno, ainda que o seu patente carácter absurdo as pudesse ter desqualificado há muito tempo. Já não basta exaltarmo-nos, sendo pelo contrário necessário tentar compreender as razões do seu êxito. O mais espantoso não é, com efeito, o facto de meia dúzia de entusiastas professar teorias extravagantes, é o facto de estar encontrarem um enorme eco e se propagarem a uma velocidade exponencial. Podemos, infelizmente, pressupor que estas ideias não estão destinadas a desaparecer tão cedo.’ (Introdução, p. 15)


[…] Gad Saad, professor na Universidade Concordia, em Montréal, diagnostica que o wokismo é uma espécie de «parasita» que atinge as mentes […] Saad atribui aliás um nome humorístico a esta nova doença. A «síndrome parasitária da avestruz […] é «uma doença do pensamento desordenado que priva as pessoas da sua capacidade de reconhecer verdades tão evidentes como a existência do Sol».’ (Introdução, p. 16)


‘Podemos, evidentemente, recordar a profunda observação de George Orwell: «É preciso ser intelectual para escrever tais coisas: uma pessoa comum não poderia jamais alcançar uma tal palermice.»’ (Introdução, p. 17)


‘Como resume muito brutalmente um dos agressores de Bret Weinstein, o único professor da Universidade de Evergreen, nos Estados Unidos, que teve a coragem de resistir a estes militantes e que tentava chamá-los à razão: «Pára de argumentar, a lógica é racista.» Esta afirmação resume o radicalismo de um movimento inacessível à razão.’ (Introdução, p. 17)


‘É o carácter brutal e irracional destas escolhas que permite entrever uma outra explicação. Ocorreu-me subitamente que, se estes professores universitários aderem a tais teorias, não é apesar de serem absurdas, mas precisamente porque são absurdas.’ (Introdução, p. 21)


‘[…] a teoria de género não é uma categoria do pensamento woke entre outras, mas é o seu âmago, a primeira descoberta, que abre a via a todos os assaltos à ciência, contra a verdade e contra a própria realidade. As outras componentes da ideologia woke, as teorias da raça e da interseccionalidade, com, em França, as suas variantes indigenistas e decoloniais, são apenas acessórios relativamente à teoria de género, que é o verdadeiro mistério, em sentido religioso, desta nova religião.’ (Introdução, pp. 22-23)


‘À atração por propostas paradoxais acrescenta-se o sentimento de fazer parte de um grupo de «eleitos» chamados a reconstruir o mundo de acordo com a nova doutrina.’ (Introdução, p. 23)


‘O cariz muito intolerante da religião woke e a sua recusa em abordar aqueles que não partilham o seu ponto de vista, a sua ausência de transcendência, fazem com que se assemelhe, mais precisamente, para já, a uma seita de dimensão política e social. Não é um panorama muito encorajador, na medida em que é extremamente difícil combater tais movimentos: os argumentos não têm influência nos seus membros, e a própria realidade não basta para invalidar as suas crenças.’ (Introdução, p. 24)


‘O termo woke é mais ajustado do que a expressão «politicamente correto», usada nos anos 1980 para descrever as correntes de pensamento que anunciavam estas ideologias. Contudo, «politicamente correto» era uma expressão essencialmente pejorativa, a que recorriam aqueles que se opunham às tentativas progressistas de então de controlar a linguagem e evitar expressões «discriminatórias». Pelo contrário, o termo woke tem a vantagem de não ter sido inicialmente depreciativo, pelo contrário. Foi por vezes usada uma outra denominação para designar estes militantes identitários, a de «guerreiros da justiça social» (SJW, social justice warriors). Esta reflete o caráter militante dos wokes e o facto de, para estes, que maioritariamente começaram por ser estudantes, as universidades não deverem visar a procura da verdade, mas sim estabelecer uma verdadeira «justiça social», inclusivamente com recurso a meios coercitivos. É, contudo, evidente que a expressão «justiça social» não está adaptada ao papel central que os militantes woke atribuem às noções de género e de raça, ao passo que a questão social é substancialmente deixada de lado. Uma terceira expressão por vezes utilizada para designar a doutrina destes militantes woke é cancel culture, «cultura de anulação» ou de «cancelamento». Faz referência, neste caso também pejorativamente, não ao conteúdo, mas ao seu método de ação. Este hábito de «cancelar» os adversários é efetivamente um dos aspetos mais característicos e mais detestáveis deste movimento. Esta vontade de aniquilar e de eliminar os adversários evoca necessariamente a forma como os «inimigos do povo» iam sendo gradualmente apagados das fotografias soviéticas. Além do método, esta noção de cancel culture não permite saber que ideias os wokes querem verdadeiramente promover.’ (Pp. 27-28)


Woke, na linguagem popular afro-americana, foi criado a partir de woken, o particípio passado do verbo wake, despertar. Esta ideia de despertar ganhou muito rapidamente um sentido político.’ (p. 28)


‘O temo woke acabará por assumir um sentido mais político com o êxito musical da rapper Erykah Badu, «Master Teacher», em 2008 […] Poderíamos então traduzir o termo woke mais precisamente por «consciente», «informado» acerca dos assuntos políticos e sociais, ou até, numa linguagem mais militante, «conscientizado». (P. 29)


‘[…] há outro termo que seria adequado para designar os militantes woke, o de «eleitos». […] Este caráter muito elitista do movimento woke foi muito bem descrito por Rob Henderson, um jovem doutorando proveniente de um meio muito desfavorecido […] Foi esta exterioridade relativamente ao mundo das universidades de elite que o colocou no caminho de um conceito luminoso, o das «crenças de luxo». Ele expõe aquilo que entende por esta ideia: «No passado, os americanos de classe superior ostentavam o seu estatuto social com produtos de luxo. À medida que os produtos de luxo se tornam mais acessíveis, as elites precisam de encontrar uma outra forma de ostentar o seu estatuto social, e fazem-no com as suas “crenças de luxo” […]. São ideias e opiniões que conferem um estatuto aos ricos em troca de pouco esforço, devastando a classe inferior.» Ao defenderem teses paradoxais, as classes superiores conseguem distinguir-se das classes inferiores. Henderson toma como exemplo uma colega, que lhe explicava que «o casamento monogâmico está ultrapassado». Tirando o facto de ela própria ser originária de uma família tradicional e pretender também constituir uma família monogâmica. Mas esta ideia de que «o casamento monogâmico está ultrapassado», quando se disseminou nas classes populares, conduziu à explosão do número de nascimentos fora do casamento e à multiplicação das famílias monoparentais entre os negros pobres, com as consequências dramáticas que conhecemos, no plano do abandono escolar e da criminalidade.’ (P. 37)


‘Atualmente, a universidade está a fabricar a sua própria religião. O conteúdo da doutrina woke, quer se trate da teoria de género, da teoria crítica da raça ou da interseccionalidade, são «estudos» de todo o tipo, que se converteram no âmago das atividades universitárias atuais, e as velhas «disciplinas» cedem-lhes progressivamente o lugar. A pluralidade dos pontos de vista e a argumentação racional já aí não são aceites, já que o unanimismo é lei.’ (p. 38)


‘O argumento da autoridade científica é uma arma de força excecional para impor estas ideias absurdas ou perigosas, que serão deste modo validadas pela «ciência». Por exemplo, a ideia de que o sexo á «atribuído» arbitrariamente à nascença ou de que a biologia não é uma ciência será assim validade pela «ciência» que se arrogam ser os «Estudos de Género». […] Cobre os seus dogmas com as vestes de garantia da universidade tradicional. É por este motivo que os wokes, neste momento, se deleitam incessantemente com designações como «ciência», «epistemologia», «peritos» e outros «especialistas». Dá um ar sério à coisa. Basta encontrar um qualquer professor, da Sorbonne ou outra, que afirme que é preciso indemnizar os descendentes de escravos ou que o género por ser mudado à vontade de cada um, para que os deputados proponham uma mudança da lei neste sentido ou que um ministro da Educação francês recomende um «acompanhamento» das transições de género dos alunos.’ (p. 41-42)


‘Para explicar este falso «atestado de cientificidade» que a universidade confere ao militantismo woke, Bret Weinstein, o professor de Biologia que foi o único a opor-se à tomada do poder pelos wokes na sua Universidade de Evergreen, arranjou uma fórmula muito bem conseguida. Explicou que a universidade, atualmente, já não é um local de elaboração e transmissão de conhecimentos, mas antes uma oficina de «branqueamento de ideias» (idea laundering). Aí se faz uma lavagem das ideias do mesmo modo que, aliás, se «lava» dinheiro sujo.’ (p. 42)


‘O mais característico desta religião woke é o facto de ser «sem perdão».’ (p. 47)


‘O zelo chega por vezes muito longe, como no caso em que a Universidade de Wisconsin-Madison, a pedido de um associação de estudantes negros e de uma organização ameríndia, mandou remover, em Agosto de 2021, um rochedo de 10 toneladas, a pretexto de ter sido designado, uma vez, em 1925, num artigo do Wisconsin State Journal, por «cabeça de negro», numa época em que o Ku Klux Klan estaria presente no campus.’ (P. 57)


‘Nas universidades, em particular, estamos em tempo de reescrita da história e de apagamento dos seus «momentos obscuros». A herança pré-woke deve ser totalmente reescrita. É preciso expurgar a cultura e a universidade de todos os vestígios de privilégio branco ou masculino para recomeçar do zero e reconstruir uma nova cultura, virgem de qualquer opressão. Daqui decorre a vontade de acabar com todas as disciplinas brancas e virilistas, isto é, com mais ou menor toda a herança da civilização ocidental: fim às humanidades gregas e romanas, fim à música ou à dança clássicas, fim à pintura e à literatura virilistas, fim à ciência e à filosofia brancas.’ (P. 57)


‘Do lado dos teóricos de género mais radicais, como Donna Haraway, não há sequer de todo um futuro para a humanidade. Segundo ela, a humanidade deve aspirar apenas a desaparecer. […] A humanidade deve, por conseguinte, parar. Para alguns GINK (Green Inclination No Kids), a única solução para salvar o planeta é, com efeito, deixar de fazer bebés.’ (P. 59)


‘O termo que surgiu para designar este wokes frágeis é o de «flocos de neve». […] Este termo «flocos de neve» é, efetivamente, certeiro. Estes jovens flocos de neve acham-se todos excecionais e iluminados, ignorantes que são da história e da literatura. Consideram-se muito belos, muito puros, muito luminosos. Acham-se todos singulares quando, na verdade, não são em nada diferentes uns dos outros. . E, como flocos de neve, podem constituir, todos juntos, uma massa indiferenciada que, por vezes, se revela bastante pesada e difícil de movimentar. Mas, felizmente, estão também sujeitos a derreter-se muito rapidamente sob o efeito do sol.’ (P. 64)


‘O primeiro autor que usou, em 1955, o termo «género» no seu sentido contemporâneo foi o psicólogo John Money. […] Segundo ele, deveria ser possível modelar a identidade sexual da criança, qualquer que seja o seu sexo biológico de nascença, em função da maneira como for educada. Money teria ocasião de verificar as suas teorias quando os pais de um rapaz, cujo sexo foi cortado numa operação malsucedida, vêm ter com ele e lhe perguntam se, se o criassem como uma menina, não seria possível transformá-lo numa menina. Money explica-lhe que é perfeitamente possível, na condição de agirem muito depressa, antes dos dois anos e meio ou três anos de idade. Os pais aceitam. Money fica entusiasmado com este caso, ainda mais porque o rapaz, David Reimer, tem um irmão gémeo, o que lhe poderá permitir fazer comparações rigorosas sobre a evolução das sexualidades. Money acompanha esta criança durante alguns anos e publica um livro em que relata o êxito total da sua experiência com este jovem David, que ele torna num exemplo perfeito que valida a noção de género. O New York Times considera então que Money demonstrou que a cultura se sobrepõe à natureza: «Se dissermos a um rapaz que é uma rapariga e se o educarmos como uma mulher, ele irá comportar-se como uma mulher.» Os pensadores do género saudaram elogiosamente o trabalho de Money. Para Beatriz Preciado: «Money está para a história da sexualidade o que Hegel está para a história da filosofia e Einstein para o conceito de espaço-tempo. O princípio do fim, a explosão do sexo-natureza, da natureza-história, do tempo e do espaço como linearidade e extensão.» […]


Ui! Esta tentativa foi um fracasso em toda a linha e uma comprovada fraude científica: a criança continuou a fazer brincadeiras de rapaz, a comportar-se como um rapaz, a sentir-se um rapaz. David Reimer recusa-se cada vez mais a ir às consultas médicas de Money, que o pressiona para que faça a operação de mudança de sexo, contra a sua vontade. David só acabaria por conseguir interromper o tratamento mediante a ameaça de se suicidar. O que Money apresentava como um êxito emblemático era, na verdade, um fracasso e uma fraude científicos, mas também um escândalo deontológico, já que tinha exercido fortes pressões sobre esta criança [David Reimer] na tentativa de validar a sua teoria. O jovem David acabaria por se suicidar alguns anos mais tarde, depois de ter tentado, em vão, com uma operação, recuperar o seu sexo de nascença, aquele sexo masculino que ele não queria abandonar. Money, por seu lado, reconheceu o erro científico e as suas falhas deontológicas e limitou-se a acusar os seus adversários de serem reacionários.’ (Pp. 74-75)


‘’A partir daqui, o conceito de género, definido como um sentimento distinto do sexo biológico, irá cada vez mais autonomizar-se, até pesar mais do que o sexo. Money foi, efetivamente, nada mais do que o iniciador desta revolução de género, que vai continuar o seu caminho, independentemente do fracasso do seu inventor, acabando por conduzir progressivamente a uma verdadeira evaporação do corpo.’ (p. 76)


‘Para Judith Butler, é também o género que tem a primazia sobre o sexo. Contudo, Butler vai ainda mais longe do que os seus antecessores: já não é apenas a existência do sexo que é colocada em causa, mas também a existência do corpo. O corpo, para ela, não tem realidade objetiva.’ (P. 77)


‘A teoria de género assemelha-se […] muito à gnose, aquela heresia cristã do século II que considerava que o corpo, tal como o mundo material, é o mal de que temos de nos libertar. Como observou Bruno Chaouat, o movimento transgénero recupera efetivamente a utopia gnóstica: «Encontramos no indivíduo trans (aqui no sentido de transgénero, mas também de transhumano) esta experiência de um corpo distinto de mim e que é preciso negar e superar, ou substituir. O incómodo do corpo reflete assim o martírio do mundo.’ (P. 79)


‘Segundo Stock, o género é uma «ilusão», e a crença na possibilidade de existirem trans, que teriam «mudado de género», mantendo-se no mesmo corpo, pressupõe a adesãoa  um verdadeiro «mundo imaginário».’ (P. 83)


‘[…] como sublinhou muito bem Helen Joyce, se suprimirmos tudo o que compõe a definição habitual do que é uma mulher, se suprimirmos, em particular, tudo o que constitui a sua identidade sexual, mesmo se mantivermos este termo de «mulher», já não fará mais sentido nenhum que seja inteligível. «Ficamos com uma palavra esvaziada do seu significado objetivo – uma palavra que só pode ser definida utilizando a própria palavra, ou seja, através de uma definição circular: “Uma mulher é qualquer pessoa que queira ser uma mulher.”» Mas isto não nos diz nada sobre o que é uma mulher. Joyce sugere experimentar outra coisa: «Experimentem “um squawm” é qualquer pessoa que se identifica como um “squawm”, ou “todos os lazap” são “lazap”. Agora já saberão dizer o que é um squawm ou um lazap?». A destruição da linguagem comum é uma das consequências, se não for mesmo um dos objetivos, do projeto trans.’ (P. 89)


‘Para colocar em prática na perfeição este mundo do género, será preciso que a medicina apague a existência de um sexo masculino e de um sexo feminino. Já não é conveniente fazermos referência ao sexo do recém-nascido, mas sim ao «sexo atribuído à nascença». Esta fórmula tende a generalizar-se, apesar de ser absurda: como o sexo masculino ou feminino não fosse, na quase totalidade dos casos, evidente à nascença. Este termo «atribuição» quer fazer crer que existe a possibilidade de escolha social, uma decisão arbitrária, e não uma simples observação. E permite dar também a entender que existe uma limitação do ponto de vista daquele a quem este sexo é atribuído. A escolha do sexo seria então arbitrária e imposta à criança que acaba de nascer, e algumas crianças poderão ver-lhes atribuído, contra a sua vontade, este ou aquele sexo. […] Como se o sexo da criança não pudesse ser determinado antes do nascimento, na ecografia ou mediante uma simples colheita de sangue e um teste genético. Como se as parteiras e os obstetras, e também os pais, não soubessem que as coisas não acontecem assim. ‘ (Pp. 89-90)


‘As consequências destas tentativas de fazer desaparecer as mulheres fazem-se sentir ao mais alto nível. Durante o procedimento de confirmação, pelo Senado, da nomeação de Ketanji Brown Jackson como juíza do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, em Março de 2022, uma senadora, por ocasião de uma discussão sobre o ensino do género, perguntou-lhe se podia «dizer a definição da palavra “mulher”». A juíza, desconcertada, respondeu: «Não posso fazê-lo», e depois acrescentou: «Não neste contexto, não sou bióloga.» A senadora não ficou convencida com esta resposta, que, segundo ela, ilustra os perigos de uma educação woke. A mulher torna-se algo misterioso e que só se poderia definir após estudos científicos muito aprofundados. O sentido corrente da palavra «mulher» parece ter-se definitivamente perdido. A ironia da história reside no facto de a juíza Brown Jackson se ter regozijado aquando destas audições por ser a primeira «mulher» negra candidata ao Supremo Tribunal e ter usado este termo 14 vezes em dois dias de audições. Mas como pode ela utilizar uma palavra cujo significado desconhece? Se quisermos evitar discriminações contra as mulheres, não será necessário saber o que é uma mulher? Questões difíceis para uma juíza do Supremo Tribunal americano que não é bióloga.’ (Pp. 94-95)


‘Com o género, lidamos pela primeira vez com o desenvolvimento de uma espécie de solipsismo radical que promove a ideia de que existem apensar consciências, mas também de que estas consciências fabricam o mundo. E este solipsismo torna-se numa ilusão de massas, encorajada pelo desenvolvimento da vida virtual.’ (p. 101)


‘O mundo torna-se assim numa ilusão e, para quem continua ligado à realidade, um verdadeiro caos, tanto mais que estas identidades serão permanentemente sujeitas a revisão: a fluidez do género implica que possamos ser isto ou aquilo ou ainda outra coisa, de um dia para o outro. O que, até recentemente, apelidávamos de delírio ou perturbação da personalidade torna-se hoje em dia numa «identidade fluida».’ (p. 101)


‘Esta perda de contacto com o real não tem por única consequência a diminuição da nossa sensibilidade e a nossa capacidade de sentir a beleza e a diversidade do mundo. As nossas interações, por vezes ásperas, com o mundo real levavam-nos a apreciar a nossa dependência do mundo e a nossa relativa capacidade de a superar. Estas interações eram simultaneamente uma escola de atenção ao particular e à diversidade do mundo, um encorajamento à assunção de riscos e à coragem, e permitiam-nos apreciar a nossa liberdade que era continuamente posta à prova nesta relação com o mundo. O real existe e, quando nos afastamos demasiado, perdemos o controlo da nossa própria vida, de uma vida verdadeiramente humana. Diante do nosso ecrã, todos estes valores estão em vias de desaparecer rapidamente.’ (Pp. 104-105)


‘O outro tópico que inflama os wokes é o da raça. Também neste caso se faz questão de exacerbar as clivagens na sociedade. Também neste caso as propostas contraditórias são a norma. Os militantes wokes apresentam-se como «anti-racistas», mas sobretudo não querem acabar com a obsessão da raça, algo que permanece há demasiado tempo no centro das nossas sociedades. Num momento em que as teorias racistas estavam completamente desacreditadas, estes militantes, que se apresentam como «racialistas», desenvolvem, pelo contrário, uma nova «disciplina», a teoria crítica da raça (critical race theory, abreviado com CRT), que reafirma incessantemente a necessidade de analisar as relações sociais e o conjunto da vida humana sob o ponto de vista da raça. Querer esquecer esta questão da raça, ser «cego diante da cor», seria a forma contemporânea mais disseminada e mais grave de racismo. […] E para combater as desigualdades entre as raças, estes mesmos militantes não propõem acabar com as discriminações; propõem, ao invés, novas discriminações, que são simplesmente invertidas.’ (P. 107)


‘Este novo e estranho «anti-racismo» articula-se principalmente em torno de dois conceitos, o de «racismo sistémico» e o de «privilégio branco». Falar de «racismo sistémico» pressupõe que os brancos são necessariamente racistas, que isso não depende de modo nenhum da sua decisão e da sua responsabilidade individual. E a afirmação de um «privilégio branco» visa convencer os brancos de que, logo à nascença, são culpados desta brancura ou, como dizem os racialistas, da sua «branquitude».’ (p. 109)


‘O paradoxo destes novos anti-racistas que professam a «teoria crítica da raça» é que já não querem acabar com a noção pseudocientífica de raça, como acontecei com os anti-racistas tradicionais. Depois de a cultura ocidental, após a Segunda Guerra Mundial, ter conseguido livrar-se desta ideia tóxica, eis que faz o seu regresso nas Ciências Sociais e num militantismo anti-racista obcecado pela raça. […] Os novos anti-racistas racistas defendem, pelo contrário, que as raças existem, que é essencial considera-las para compreender o mundo social e que, para combater o racismo, é adequado não tratar todos os humanos da mesma forma.’ (p. 110)


‘Para racialistas como DiAngelo, é preciso ir ainda mais longe e impor a proposta paradoxal e revolucionária de que, se os brancos se defendem da acusação de serem racistas, isso prova que o são. […] Vemo-nos então plenamente numa situação double bind, o duplo vínculo tão caro ao antropólogo Gregory Bateson. Diga-se o que se disser, estamos em falta […]. No caso de algumas pessoas acusadas de racismo, não há prova alguma, já que não cometeram nenhum ato nem pronunciaram nenhuma palavra racista. Mas isto não basta, elas podem ser assim qualificadas pelo simples facto de jurarem não ser racistas. A teoria crítica da raça tem a vantagem de ser irrefutável. Uma disciplina que não possa ser refutada por nada não é uma ciência, como tão bem demonstrou Karl Poppel, e a teoria crítica da raça é a mais descomplexada destas pretensas disciplinas.’ (p. 114)


‘Exigir dos alunos que mostrem o seu trabalho ou que levantem a mão antes de falar seria [segundo os promotores da matemática equitativa] racista.’ (p. 126)


‘A fração mais militante dos racialistas, pelo menos em França, define-se como «interseccional». […] Como demonstraram Pluckrose e Lindsay, é com a interseccionalidade que começa o verdadeiro wokismo político, que qualificam de «pós-modernismo aplicado». […] A invenção desta noção de interseccionalidade é da jurista negra Kimberlé Crenshaw. […] Crenshaw espôs a sua teoria em dois artigos, em 1989 e 1991, que conheceram um extraordinário sucesso, fazendo dela um ícone mundial.’ (p. 128)


‘[Para] Sally Haslanger, a investigação feminista teria como primeira vantagem o facto de acabar com a noção de racionalidade. […] Com efeito, «a ideia central é de que uma posição racional é, em si, uma posição de opressão ou de dominação, e que os ideais aceites da razão refletem e reforçam as relações de poder em proveito dos homens brancos privilegiados.’ (Pp. 152-153)


‘Para estes militantes woke, a razão não é uma aliada, mas sim uma adversária: as duas noções científicas essenciais de objetividade e racionalidade teriam tomado o partido do virilismo, do racismo ou do colonialismo. Para eles, é simplesmente preciso «eliminar o género», «desmasculinizar», «descolonizar» ou «desbranquear» a ciência.’ (p. 153)


‘É a «grande descoberta» das epistemólogas feministas, racialistas ou interseccionais, só existe conhecimento de um determinado «ponto de vista» e não existe conhecimento neutro e objetivo.’ (p. 153)


‘O interesse destes epistemólogos consiste em dar uma pretensa justificação científica às fantasias woke.’ (p. 154)


‘A ideia de base da epistemologia do ponto de vista, em Haraway ou depois em Sandra Harding ou Helen Longino, é que a ciência é sempre feita de um «ponto de vista» particular, neste caso, para já, o dos homens brancos dominantes que compõem essencialmente o conjunto dos cientistas.’ (p. 155)


‘[…] Harding faz o seu grande elogio aos saberes populares ou autóctones, que terão sido, até agora, demasiado negligenciados. O seu golpe de génio terá disso o de dotar estes conhecimentos comprometidos com o nome de «objetividade forte», enquanto estes são, precisamente, conhecimentos que se vangloriam da sua subjetividade e da sua parcialidade, e que declaram não querer perder esse estatuto. A «objetividade forte» é, com efeito, a afirmação descomplexada da recusa do ideal de objetividade e da preeminência atribuída a «ciências identitárias», expressão contraditória, no mínimo. Contudo, o carácter mágico do pensamento woke faz com que baste usar esta fórmula de «objetividade forte» para pretender ter respondido a todas as acusações de relativismo que tais pretensões evidentemente implicam.’ (Pp. 157-158)


‘Há muito que os cientistas têm consciência de que as condições sociais ou técnicas, ou até, nalguns casos, políticas ou pessoais podem interferir nos seus conhecimentos, mas o princípio por excelência da investigação científica é procurar, ao máximo, libertarmo-nos desta marca social, minimizá-la e não comprazermo-nos nela com deleite.’ (p. 158)

‘O objetivo dos wokes, em contrapartida, não é melhorar a ciência, mas sim destruir as suas fundações. Vemo-lo na última ideia da moda, a de «injustiça epistémica», inventada por Miranda Fricker.’ (p. 159)


‘Como sublinha a epistemóloga rigorosa que é Cassandra Pinnick, «a epistemologia feminista não deve ser levada a sério», na medida em que cede ao paradoxo muito conhecido de dizer que «a verdade não existe», contradizendo-se através desta mesma afirmação.’ (p. 160)


‘É preciso que os cientistas e a sociedade percebam que se trata de uma iniciativa deliberada de destruição da ciência, contra a qual é preciso resistir. É na ciência que a tomada do poder pelos wokes produziria o seu efeito mais nefasto.’ (p. 161)


‘A religião woke não se limita ao mundo universitário, já que visa atualmente o ensino primário e secundário. É o que acontece há algum tempo nos Estados Unidos e no mundo anglo-saxónico, e está atualmente a acontecer em França. Na medida em que os wokes são crentes convictos, são também proselitistas. Querem fazer triunfar as suas ideias e formas novas gerações, mais maleáveis. Como nem sempre é fácil convencer os adultos de que a identidade sexual não tem nada que ver com o corpo ou que o racismo é inerente ao facto de se ser branco, os wokes vão fazer por persuadir as crianças, desde a mais tenra idade. A aposentação dos professores boomers deixará muito em breve a costa livre.’ (p. 170)

‘Uma aluna do secundário da região parisiense testemunha que, numa aula de Educação Moral e Cívica, uma professora militante falou sobre o «racismo sistémico» e o «privilégio branco» e convidou os alunos a definir-se como «racizados» ou «não racizados». O resultado fez-se ver logo: «Até aí, entendíamo-nos bem, havia solidariedade, respeito e benevolência entre todos. Mas alguns começaram a ver-se como vítimas de racismo, a falar só disso. O grupo de WhatsApp da turma tornou-se num campo de batalh, com duas fações em confronto. Havia os brancos acusados de racismo e os “morenos” da turma que falavam de escravatura, colonialismo, desigualdade.»’ (p. 172)


‘Muitos pais tomaram consciência da ditadura suave que se estava a instalar nas nossas sociedades: compreenderam que tinham de lutar para que os filhos fossem instruídos e não endoutrinados.’ (p. 174)


‘Numa sequência memorável em Loundoun County, na Virgínia, que mostra que Orwell não estava enganado quando contava com a «decência comum» das pessoas simples, vemos o pai de um aluno, imigrante católico caldeu, que não hesita em falar sem rodeios aos membros do conselho acerca da questão do género e dos pronomes. Ele observa que, mesmo sob a ditadura iraniana, os seus professores não o tinham endoutrinado, ensinado-o pelo contrário a ler, a escrever e a fazer contas. Fica indignado por os professores perguntarem às crianças por que pronomes querem ser tratadas: «Vocês pensam que são despertos [woke] mas, bom, deixem-me que vos desperte um pouco mais […]. Agora querem que aceitemos parvoíces como os pronomes […] Isso ajuda-os em quê? Isso ensina-os a somar? Vocês querem impingir esses disparates aos meus filhos? Eu digo-vos como devem tratar os meus filhos: “Rei” e “Rainha”. É assim que passarão a tratar o meu filho e a minha filha.» E termina: «Quanto a mim, quando olharem para mim, tratem-me por «”mestre”.»’ (p. 175)


‘Para [algumas] empresas, ser woke se calhar já não compensa, de acordo com a fórmula «get woke, go broke» – «ser woke é estar falido».’ (p. 176)


‘Apesar da importância que lhe atribuímos, é preciso não esquecer que a vaga woke inundou para já apenas o mundo ocidental. O resto do planeta satisfaz-se em observar com espanto. Muito veem nesta onda um sinal de esgotamento da nossa civilização e ficam espantados ao ver que os herdeiros de uma cultura tão rica como a nossa se obstinem em destruí-la.’ (p. 177)


‘Como observou, e bem, a jornalista Bari Weiss: «Chegámos aqui por cobardia. Só daqui saímos com coragem. Digam não à revolução woke.» Está mais do que na hora de o Ocidente acordar e desmentir o diagnóstico pessimista de Soljenitsyne, que comentava, em Harvard, em 1978, que «o declínio da coragem é possivelmente o que espanta mais um olhar estrangeiro sobre o Ocidente atual». Paradoxalmente, é a ameaça da religião woke que nos deveria permitir redescobrir e reafirmar o valor da civilização ocidental.’ (p. 180)


Rubrica "Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página" | Marca de água de livros que deixam marcas profundas | Parceria: Federação Portuguesa pela Vida e Comissão Diocesana da Cultura


*Título retirado de Daniel Faria, Dos líquidos, Porto, Edição Fundação Manuel Leão, 2000, p. 137


**Luís Manuel Pereira da Silva é Professor, Presidente da Comissão Diocesana da Cultura e Vogal da Direção da Federação Portuguesa pela Vida. É o autor de "Ensaios de liberdade", "Bem-nascido… Mal-nascido… Do ‘filho perfeito” ao filho humano" e de "Teologia, ciência e verdade: fundamentos para a definição do estatuto epistemológico da Teologia, segundo Wolfhart Pannenberg".

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